Uma história, com divagações e boas recordações
Bato a porta devagar, olho só mais uma vez, como é tão bonita esta harmonia (...) *
Como imaginei este momento tão mais perto do que o vejo agora, tão mais fácil de alcançar, tão mais iminente... ilusões a vida, nunca ninguém o disse, antes pelo contrário, não é fácil em lugar nenhum do mundo. Bater a porta, sentir a harmonia de alguma coisa que podemos chamar de nossa e onde nos sentimos bem e acarinhados, identificados com a harmonia que construímos e que podemos chamar de nossa... a minha harmonia.
Bem vai chegar. Como nada neste mundo se consegue sem dinheiro é uma questão de juntar mais umas quantas patacas para que possa finalmente conseguir e começar a construir a minha harmonia, o meu refugio. Há que saber esperar e lutar por conseguir algo que desejamos, pois assim, no fim e olhando para trás, saboreando o momento, tudo nos saberá bem melhor (onde é que eu já ouvi isto e quantas vezes já repeti isto mesmo vezes sem conta). Assim será acredito!
Mas nunca me esqueci de ti (...) *
De facto há coisas que nos marcam na vida, por muito insignificantes que pareçam a uma primeira e não cientifica, observação. E outras, que nos pareciam imprescindíveis e com as quais não conseguiríamos viver e afinal... eram fetiches inconsequentes...
Ainda me lembro da primeira vez há muitos anos que fui ao Moinho dos Lameiros, num dia de Outubro de um ano que já nem lembro ao certo, mas que tinha amanhecido chuvoso e encoberto. A Tia Maria do Carmo, tia por afinidade do meu avô, levou-me lá, porque me perguntou se queria ir com ela e eu, ainda criança, sabia lá bem o que ela me estava a perguntar e claro, cheirou-me a brincadeira, disse que sim.
Autorizado pelos meus pais e agasalhado (demais como sempre os pais acham que os filhos devem andar), lá fui com a "parenta" até ao misterioso Moinho dos Lameiros...
Por carreiros antigos que ainda podiam ser reconhecidos, mais facilmente do que hoje, naquela altura, nas encostas das serras de Soeirinho, escorregando aquilo, levantando além, passamos por alguns pontos que ainda recordei e recordo, anos e anos depois e que me fizeram lá ir novamente, sem auxílios e sozinho, à também já uns anos bons, atrás.
Passámos, dizia, por locais que me ficaram gravados na memória; um penedo, um eucaliptal, cortado à pouco tempo e onde tinha sido destruído o carreiro antigo, por culpa das máquinas e operários sem cuidado (por onde andamos aos tombos e escorregões a corta-mato, devido às folhas misturadas com a humidade que se encontrava no ar e aos carreiros danificados, como já disse. Terá sido daqui que me ficou o horror de morte que tenho à praga incontrolável de eucaliptais que sofre Portugal de norte a sul), uma levada e o Moinho dos Lameiros finalmente! Como aquilo me fascinou sem ainda hoje compreender bem o porquê...
Vi como trabalhava, explicou-me a minha familiar como aquilo tudo funcionava, a mó, o rodízio, a rolha para aumentar a pressão da água vinda da ribeira não muito caudalosa, como se punha o milho e como ele ia caindo vagarosamente para a mó, como a farinha ia saindo, num ritmo ainda mais lento e pausado, como se recolhia a farinha... Aquilo tudo fascinou-me e lembro-me de ter vindo para casa maravilhado com tudo aquilo, novidade para mim, rotina para a Tia Maria do Carmo, Maria do Cantoneiro (esse sim tio por laços de sangue, do meu avô materno).
Tantos anos depois e já não sei em que conversa calhou a ser proferido o Moinho dos Lameiros, comunitário, como se queria em aldeia de gente pobre e esforçada, e saltaram-me estas recordações. Vai daqui, inquire dali, pergunta além e, certo e claro como a água que me lembrava correr na ribeira aos pés do Moinho, era ele que residia nas minhas recordações. Resolvi ir procurá-lo...
Como os carreiros antigos que agora já não eram pisados e por isso já não se reconheciam, fui por estragões florestais, atalhos, corta-matos e lá fui vislumbrando os pontos de referência que tinha; o penedo, o eucaliptal com as mesmas folhas a fazerem-me escorregar naquela tarde abrasadora de Agosto, a levada, mais fraca do que outrora me lembrava e o Moinho; lá estava ele quase como me lembrava, não fosse a porta arrombada, que as pessoas hoje só respeitam aquilo que têm no bolso. O que é dos outros é necessariamente nosso!
O Moinho passou a ser o refugio da malta nova lá da terra (Soeirinho de seu nome), peregrinações eram feitas, piqueniques, brincadeiras, excursões... Porta nova, levada limpa, matos e silvas desbastadas, paredes reconstruídas e sei lá mais que cuidados lhe dispensámos e tantos anos depois, tantos incêndios florestais que passaram por ele, eucaliptos que lhe caíram em cima e ele lá continua, velho, mas digno das minhas memórias.
Jura que não vais ter uma aventura (...) *
A minha aventura é lutar pelas minhas memórias e ideais, para que elas possam passar para a geração a seguir à minha. Para que estas memórias que a mim me marcaram, não se transformem, para esta geração, no primeiro jogo de consola que joguei, no primeiro computador que tive, na primeira novela que vi...
Posso sair derrotado, pode mesmo ser uma aventura inconsequente, mas ao menos que valha a pena (...) *. E tudo vale a pena, tudo! Tudo pelos nossos ideais!
Podes vir a qualquer hora, cá estarei para te ouvir (...) *
Com por umas simples músicas os pensamentos flúem sem parar... Bons pensamentos entenda-se!
E fui dormir. Mais contente, por saber, que depois de tantos anos e tantas tormentas, ainda guardo coisas boas, dignas e merecedoras, sobretudo bonitas, dentro de mim.
Realidade ou ficção? Cada um analise por si e julgue como achar melhor...
0 comentários
Enviar um comentário