Crónica de um país à beira mar «murchado»
Vem notícias, notícias e mais notícias de que Portugal está eternamente mal de finanças, com problemas orçamentais, de fundo e tal e tal...
Surgem estudos, boatos, teses, teorias, conspirações, fugas de informação e coisa deste calibre que atestam que sem dúvida e de facto assim é, que tudo assim se passa e que realmente isso acontece porque os portugueses são desinteressados, negligentes, preguiçosos, pouco profissionais e, acima de tudo, cereja em cima do bolo, pouco produtivos quando comparados com os países evoluídos (têm é que dizer quais são) em que tudo se passa ao contrário.
Mas analisando os países ditos evoluídos (que por certo não são os que são usados como referencia) temos exactamente indicação contrária. Hey, hey, esperem... A indicação contrária é ao nível dos patrões e não dos empregados!
As pessoas são reconhecidas e tratadas como pessoas e não como máquinas que só sabem dar problemas e pedinchar mais e mais e mais e ainda mais e sempre mais e mais. Talvez daí advenha o facto das pessoas se sentirem melhor, mais integradas e satisfeitas e por isso “renderem” mais nas muitas horas a menos que trabalham.
Por exemplo uma pessoa que tem obrigatoriamente que estar as 8 horas em sentido sem desviar os olhos das suas tarefas, porque lhe cortaram a internet, não tem e-mail, não se pode ausentar mais do que os dez minutos por X tempo que é de lei, inevitavelmente produzirá muito menos que uma pessoa que gira da melhor maneira o seu tempo e que das 8 horas em que tem que estar presente no local de trabalho, tem salas de convívio, etc., etc., tudo ao seu dispor para desanuviar, espairecer e com isso aumentar o seu grau de concentração e, obviamente e logicamente de produtividade.
Claro que isto é obvio para os trabalhadores mas os patrões nem por isso.
Faz-me também lembrar os open-spaces portugueses em que as pessoas estão todas ao colo umas das outras, como lixo que se despeja num qualquer beco escuro da cidade e no qual os cães chafurdam com avidez para encontrarem restos de comida que se possam aproveitar... Claro que as pessoas assim até têm vontade de trabalhar mais e mais, e esforçarem-se e tal...
Lembra-me também dos estudos encomendados pelo governo que, estranhamente, apenas são divulgados quando o seu resultado coincide com a opinião de quem os encomendou, neste caso o governo português, pois claro. Ainda recentemente temos o exemplo do estudo encomendado à Cap Gemini que pretendia comparar os salários auferidos pela função publica e pelos trabalhadores do privado, tentando demonstrar que os da função pública eram mais bem recompensados do que os outros. Azar, dos azares, não foi isso que o estudo demonstrou e então vai de o esconder e de não divulgar os resultados do mesmo.
É a transparência e seriedade com que se dizem, afirmam e implementam as coisas em Portugal que me choca profundamente. De boato ou frase mal explicada e infundada as coisas se transformam em verdades dogmáticas.
Enquanto tudo isto acontece, os patrões, ou outros abutres de topo, continuam a engordar com os ordenados chorudos que auferem, enquanto os trabalhadores, para os trabalhadores é tudo sempre difícil complicado e sem grande solução ou negociação possível e visível no horizonte.
A inflação sobe dois virgula cinco por cento, então.... vamos aumentá-los em um virgula cinco, porque está mau e a crise e a baixa produtividade e a competitividade do país e temos que mostrar e vocês são importantes, mas... Bla... Bla... Bla...
E enquanto isso, continuamo-nos a comparar com os países evoluídos. Ali aqueles para os lados de Africa e da América latina, onde se mata e morre por causa de nada, onde se trabalha até não poder mais por dois euros por dia (e, e, já estou a exagerar) e ninguém se queixa...
Isso sim países evoluídos. Em termos de exploração humana ou escravidão, na exploração de pessoas, mas isso... pormenores, são evoluídos, em alguma coisa, têm o evoluído englobado, por isso, basta sermos selectivos e vermos apenas parte da realidade. Ainda por cima falam “português”, ainda mais evoluídos são...
E depois os poleiros; saltam para lá os rosinhas, volta para lá os laranjas, saem uns, vêm os outros, sempre os mesmo, numa cadencia absurda e destrutiva sem fim... E nós, contentes com as lamentações, aplaudimos com os apupos que vamos lançando, em jeitos de lamentações que se confundem com gritos de alegria.
Afinal, sempre somos o país dos brandos costumes e a malta, à roda de uma copo de três, um pastelinho de bacalhau e dois jogos de sueca, fica feliz e entende-se toda muit’a bem...
Temos o país que somos e pronto!
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